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Matéria publicada na Revista Veja edição 2253 de 25 de janeiro de 2012.

O mundo de um novo ângulo

Com simplicidade e entusiasmo, o jovem matemático americano Salman Khan já deu mais de 115 milhões de aulas na rede e começa a revolucionar a velha enfadonha rotina escolar

Monica Weinberg
Mountain View

A voz de tenor do matemático americano Salman Khan, ou Sal, atrai gente de todo o mundo à rede por um motivo que costuma afastar as pessoas. Ele dá aulas. Pela turma que o segue — uma classe virtual de mais de 4 milhões de alunos que assistiram a 115 milhões de lições até a última sexta-feira, já que o número aumenta a cada segundo —, não há dúvida de que Sal, 35 anos, se tornou um raro fenômeno educacional dentro e fora da internet. Com 2.700 vídeos e exercícios gratuitos sobre mais de quarenta áreas do conhecimento, ele traduz em linguagem simples desde os rudimentos da matemática até as guerras napoleônicas e as finanças de uma fábrica de bolinhos. Entre seus seguidores, estão os três filhos de Bill Gates e o próprio fundador da Microsoft, que, ao perceber que o site (www.khanacademy.org) despertava em sua prole entusiasmo pelos estudos, chamou Sal para um encontro. Descobriram-se almas gêmeas. Os dois estavam lendo O Guia de Química Orgânica para Completos Idiotas e compartilhavam a mesma acidez na crítica à escola. Diante de tão ilustre interlocutor, Khan tremeu: “Só pensava: ‘Esse cara é Gates-Gates-Gates. Não posso falhar!’”. Foi surpreendido pelo bilionário: "Seu site pode dar início a uma revolução". Recebeu ainda uma doação de 1,5 milhão de dólares e ganhou visibilidade. Seu nome circula hoje nas grandes rodas de especialistas em educação,  meio no qual Salman Khan se sente ainda uma espécie de intruso.

Formado em matemática, ciências da computação e engenharia elétrica pelo Instituto de Tecnologia de Massa­chusetts (MIT) e egresso de um fundo de investimentos, Sal afixou nas paredes de seu, digamos, escritório cartazes que traduzem o jeitão pouco erudito, mas direto, de pensar o ensino: “Vá à essência do problema”, “Nunca deixe de aprender", "Divirta-se!”. Tomado de livros de ficção científica e brinquedinhos como o cubo mágico, seu QG está instalado no 2° andar de uma casa em cujo térreo funciona uma loja de chá, na cidade de Mountain View, na Califórnia. A 5 quilômetros dali fica o Google. Na mesa onde Sal trabalha, veem-se volumes de macroeconomia, material para a próxima aula e seu inseparável equipamento de trabalho — um tablet conectado a um PC, uma câmera e uma caneta digital com a qual ele desenha os gráficos e símbolos que ilustram as entusiasmadas explanações de até vinte minutos de duração. Seu rosto jamais vem à luz. Sal acha que assim fica menos professoral. Em nome da naturalidade, ele nunca edita os vídeos, daí os frequentes improvisos, como o toque de telefone soando no meio da gravação. Se não gosta do resultado, Sal refaz tudo. Ele diz, do mesmo modo direto e enérgico que o celebrizou como professor: "Sonho alto. Meu objetivo é oferecer conhecimento de nível elevado sobre absolutamente tudo, e de graça".

Há quem identifique em seu estilo traços do típico profissional de cursinho pré-vestibular, mas essa é certamente uma simplificação do fenômeno Salman Khan. Ainda que não haja pesquisas já consolidadas sobre o impacto de sua "academia" no ensino, a experiência sugere que a iniciativa pode vir a tornar-se uma poderosa ferramenta para transformar a maneira como as pessoas aprendem e a própria escola. Há seis meses, sob a supervisão de sua equipe — uma turma de jovens vinda de bancos de investimento e consultorias —, os vídeos e exercícios que sugere no site começaram a ser adotados em quinze escolas da Califórnia. Em alguns desses colégios, a rotina mudou de forma radical. Os alunos passaram a assistir às aulas de Sal em casa, deixando o tempo na escola livre para problemas, dúvidas e projetos que estimulem a capacidade criativa e a investigação científica. "Com um conteúdo de tão alto nível na rede, essa inversão faz todo o sentido", avalia o economista Claudio de Moura Castro, especialista em educação e articulista de VEJA.

Evidentemente não estamos diante de uma solução mágica para que a escola de hoje, estacionada no modelo de dois séculos atrás, se torne um lugar mais dinâmico e afinado com as verdadeiras demandas do século XXI. Não existe tecnologia que resolva esse abismo sozinha, por mais engenhosa que seja, sem um professor bem preparado para tirar proveito dela em prol do ensino. Boa parte dos programas que se propõem a levar laptops às salas de aula, inclusive no Brasil, tem redundado em fracasso. O site de Sal aponta um caminho para revirar a chatice e inovar. "Ele abre espaço para que o foco na escola se transfira para a solução de problemas, algo essencial para o mundo em que vivemos", costuma dizer o americano Carl Wieman, Prêmio Nobel de Física.

 


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