Encontros

 

 

18° Fórum Estadual de Educação da UDEMO

Tema – “Educação: mitos e Fatos”

Dias: 8 a 12 de outubro de 2014

Local: Itamambuca Resort Hotel – Ubatuba (Clique aqui para conhecer o Resort)


Colegas, sejam todos bem-vindos ao 18º Fórum Estadual de Educação da Udemo, onde vamos falar de Mitos e Fatos na Educação.

Mitos, lendas e fatos sempre permearam nossas vidas. Muito do que ainda hoje, no século XXI, se afirma como fato, na verdade é mito. Isso ocorre na alimentação, nas relações humanas e na educação. São exemplos: “jogar xadrez desenvolve a inteligência”; “emagreça com saúde, com a dieta da lua”, “12 horas de jejum antes de qualquer exame de sangue”, o cogumelo do sol, o poderoso chá  Neiko; “não deve haver diferença entre pais e filhos, no ambiente familiar”; “mais tempo de supervisão adulta e mais regras de segurança tornam as crianças mais confiantes” etc. Neste último caso, ocorre exatamente o contrário: mais autonomia produz confiança; mais proteção, ao contrário, produz insegurança. 

Quanto maior a valorização dos modismos e da aparência, maior o envolvimento com mitos e lendas.

Até pouco tempo, amígdalas, apêndices e dentes eram extraídos “por cautela”; “crianças deveriam ser preparadas para a vida” (portanto, ainda não viviam); decorar fórmulas, tabuadas, declinações e conceitos era sinônimo de aprendizagem, mesmo que não se soubesse o que se estava repetindo. Gordura era sinônimo de saúde; agora, magreza, esqualidez é o ideal de beleza perseguido.

Durante décadas, os EUA declararam guerra às gorduras. A mensagem era simples: conservar um coração saudável implicava dizer adeus à carne vermelha, aos ovos, os laticínios, a manteiga, optando por aves, leite magro e cereais. Infelizmente, a mudança na dieta não os tornou mais saudáveis. Ao contrário: o país está mais doente do que nunca. Mais da metade da população é obesa. A diabete do tipo 2 aumentou 166% entre 1980 e 2012. Os problemas do coração continuam no topo da lista; e das mortes.(F. Daudt)

No século XXI, a internet se encarregou de ampliar e potencializar alguns mitos.
Falando sobre fatos e mitos, vamos recuar um pouco no tempo. Cerca de 3 mil anos!

I*

Sefelá é uma região localizada no centro - sul de Israel, no coração da antiga Palestina, entre o Monte Hebron e as planícies litorâneas da Filístia. Sefelá sempre foi uma região de grande importância estratégica, por ser o acesso natural de quem vem da costa litorânea e se dirige às cidades de Hebron, Belém e Jerusalém.

De acordo com o Antigo Testamento, foi ali, na planície de Elá, há cerca de 3.000 anos, que o Reino de Israel se preparou para enfrentar os invasores, os exércitos filisteus. Preparados, nenhum dos dois exércitos ousava tomar a iniciativa do combate, porque ambos estavam assentados em posições estratégicas, e qualquer ataque precipitado poderia significar derrota e suicídio em massa.

Cansados da espera pelo combate, os filisteus mandaram Golias, o seu maior guerreiro, para propor um desafio aos judeus. A proposta é que deveria haver um duelo entre dois guerreiros, um de cada exército. O resultado da luta - vitória ou derrota - se estenderia a todos os contendores. Os derrotados seriam escravos dos vencedores. Golias, o guerreiro enviado pelos filisteus, era um gigante, com quase três metros de altura, dotado de uma força descomunal. Tinha todo o corpo coberto por uma grossa armadura e usava um capacete de bronze. Ele portava uma lança e uma espada, ambas muito grandes e pesadas. Um auxiliar o precedia, carregando um grande escudo. Ao conclamar um soldado do exército adversário para a luta, ninguém se manifestou. Então, um menino, um pastor, de nome Davi, que havia ido levar comida para seus irmãos, ofereceu-se para enfrentar o gigante. O Rei Saul o censurou, pois ele era apenas um menino, indefeso, um pastor, que teria de enfrentar um guerreiro gigante, armado pesadamente. Mas, como Saul não tinha muitas opções, e Davi insistisse, o rei acabou concordando. Davi desceu à planície, para enfrentar Golias, com uma funda, tendo o corpo coberto por uma leve manta. Golias sentiu-se insultado e esbravejou: -“por acaso sou eu um cachorro, para que você me provoque com duas varinhas”?

Davi correu rapidamente, por várias vezes, em círculo, ao redor de Golias, deixando-o tonto. Depois, com sua funda, arremessou uma pedra que atingiu Golias na fronte, a única região desprotegida do gigante. O gigante tombou e, em seguida, foi decapitado por Davi.

O mito: uma força superior teria envolvido e protegido Davi, no duelo.

O fato: à época desse duelo, os fundeiros (também chamados de fundistas ou fundibulários) eram considerados os melhores e mais perigosos soldados. Eles eram a elite da artilharia. Muitos deles eram capazes de acertar uma ave voando. Com suas fundas, chegavam a matar ou ferir gravemente um inimigo a 400 metros de distância. Carregavam, num saco preso ao corpo, as pedras especialmente preparadas para esse uso.

Com todo o peso do corpo, da armadura e das armas, Golias não tinha agilidade suficiente para desviar-se de Davi. Além disso, sabe-se hoje que Golias sofria de acromegalia, doença causada por uma superprodução de hormônios do crescimento, na glândula pituitária, o que explica o seu porte gigantesco. Essa doença provoca disfunções na visão, dentre elas, a “mancha” e a “visão dupla”; o doente enxerga mal e em dobro. Daí a pergunta de Golias a Davi: “por acaso sou eu um cachorro, para que você me enfrente com duas varinhas”?

Na verdade, as “duas varinhas” eram as duas correias da funda. Por que Golias precisava de um “assistente” para carregar seu escudo? Porque, por não enxergar bem, ele precisava de um guia. Por que Golias se deslocava devagar? Porque, além do seu peso e o da armadura, tudo à sua volta lhe aparecia como uma mancha escura. Por que Davi correu várias vezes ao redor de Golias, antes de arremessar a pedra? Porque ele sabia que Golias não conseguiria acompanhar seus movimentos rápidos nem focalizá-lo com precisão. Por que Golias, um gigante, foi derrotado por Davi, um menino? Porque ele subestimou o inimigo. Por que Davi conseguiu vencer Golias ? Por que ele lutou a sua luta, com as suas armas, e não a luta do inimigo.

Desvantagens acarretam prejuízos. Mas, muitas vezes, desvantagens trazem vantagens. São as “desvantagens desejáveis”. Um dos aspectos mais estudados da escola é o tamanho das classes.

II

A Escola do Vale de Shepaug (Shepaug Valley Middle School), no Estado de Connecticut (EUA), foi construída, nos anos 1950, para atender cerca de 300 crianças, o que é considerado, pelos padrões locais, uma escola grande. Quando começou a funcionar, as classes tinham em média 25 alunos, o que era muito, para os padrões da época. Posteriormente, a região de Shepaud, pela sua beleza natural e tranquilidade, foi descoberta e “invadida” por famílias ricas da cidade de Nova York. A população local, não suportando a pressão econômica, acabou deixando a cidade. Como consequência, em 2013, não havia mais que 80 crianças nas 6ªs séries da Escola  Shepaud, e as classes tinham menos de 15 alunos. A tendência é que esse número diminua ainda mais, caindo pela metade. Em resumo, uma escola antes “lotada” tornou-se uma escola quase “individualizada”.

É comum afirmar-se que escolas menores são melhores que escolas maiores, e que, quanto menor a classe, melhor para os alunos e os professores. Classes pequenas são o sonho dos pais, dos professores, e o discurso dos políticos. Quando o Governador da Califórnia anunciou que iria reduzir o tamanho das classes, sua popularidade dobrou, em três semanas. Atualmente, 77% dos americanos julgam ser mais sensato usar o dinheiro dos impostos para reduzir o tamanho das classes do que para aumentar os salários dos professores.

O senso comum diz que quanto mais atenção individual o estudante tiver do professor, maior será sua experiência de aprendizagem. Portanto, alunos de classes pequenas terão rendimento melhor do que alunos de classes grandes. Pesquisas realizadas na Austrália, Hong Kong, Escócia e Estados Unidos não comprovam essa afirmação.  Na Grécia e na Islândia, os resultados benéficos com as classes pequenas foram significativos. Na França, isso funciona para Matemática mas não funciona para Ciências. No Japão e em Singapura, o efeito não é significativo.

Nos EUA, a diminuição das classes implicou uma contratação adicional de 250 mil novos professores entre 1996 e 2004. Foram milhões de dólares que talvez tivessem tido melhor destino se tivessem sido investidos na capacitação dos professores, no acompanhamento do seu trabalho e nos seus salários. Afinal, são os professores que fazem a diferença no ensino.

Uma classe com quarenta alunos nos anos iniciais da educação básica é realmente muito grande. E é o padrão Israel. Israel tem o maior número de alunos por classe. Por outro lado, uma classe muito pequena tende a não apresentar resultados positivos, na mesma proporção.

Quanto menor a classe, melhor para o professor (menos provas e trabalhos para corrigir, menos alunos para conhecer e acompanhar). Mas não necessariamente para  o aluno.

O Mito: quanto menor a classe, maior o rendimento dos alunos, e maior a facilidade para o trabalho do professor.

O Fato: classes pequenas são mais produtivas. Classes muito pequenas dificultam a interação e a variação de experiências. Mas não há uma relação direta entre o tamanho da classe e o rendimento dos alunos. Além disso, numa classe menor, há a tendência de o professor trabalhar menos. Só haveria a possibilidade de um resultado positivo, se o professor de uma classe pequena trabalhasse tão intensamente quanto numa classe média (25 alunos) ou grande (40 alunos). Uma classe muito pequena pode ser tão difícil de trabalhar quanto uma classe muito grande, pois não há, nesse ambiente, a suficiente diversidade de pensamentos e experiências.

III

Ainda nos EUA, no Estado de Connecticut, há uma escola de educação básica chamada Hotchkiss, que é considerada uma das mais caras do país. A anuidade custa cerca de 50 mil dólares, o que dá uma mensalidade de +- US$ 4.160,00, ou cerca de R$ 10.000,00.

Essa escola tem dois lagos, duas quadras de hockey, quatro telescópios, um campo de golfe e doze pianos da marca Steinway (o mais caro do mercado). As classes têm em média 12 alunos. No entanto, o aproveitamento desses alunos não corresponde à infraestrutura da escola. Por quê? Porque essa escola está mais voltada para os pais do que para os alunos. Os pais, muito ricos, acreditam que tudo o que o dinheiro pode comprar se transforma em vantagens no mundo real, o que não é verdade. E as classes são muito pequenas.

O Mito: Na escola, quanto maior a infraestrutura, melhores os resultados.

O Fato: Há uma infraestrutura mínima, sem a qual nenhuma escola consegue bons resultados. Porém, não há uma relação direta entre mais infraestrutura e maior aproveitamento dos alunos. A infraestrutura pode ajudar no desempenho dos alunos, mas não é de extrema grandeza. O principal é um corpo docente de qualidade, organização das aulas, bons alunos e retorno da escola para os professores. (Naércio Menezes)

IV

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma prova realizada pelo Ministério da Educação. Ela foi criada em 1998, para avaliar a qualidade do ensino médio no país. Com a sua segunda versão, em 2009, passou a ser utilizada em substituição ao antigo vestibular, servindo para acesso ao ensino superior em universidades públicas brasileiras, através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Serve, ainda, como certificação de conclusão do ensino médio em cursos regulares e de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação para medir a qualidade de ensino no território nacional.

O índice é calculado através do rendimento escolar (aprovação e evasão) no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil.

No total, o Ideb estabelece notas para 46 mil escolas públicas do país e, considerando os resultados, aponta quais escolas precisam de investimentos, e cobra resultados.

Quanto ao ENEM, estudos mostram que a influência de fatores socioeconômicos contribui para 75% das notas das escolas. Ou seja, a nota depende menos do empenho da escola e mais de fatores como a renda familiar do aluno e o grau de instrução dos pais. Portanto, “a forma ranking” do ENEM acaba sendo enganosa. (Rodrigo Travitzki)

Quanto ao IDEB, uma escola municipal, localizada no interior do Pará (Bujaru), conseguiu, em 2013, superar a meta do IDEB para 2021.

A explicação para o fenômeno é a capacitação dos docentes e o treino específico para a prova. Necessidade de capacitação de docentes não é surpresa alguma. A surpresa fica por conta do “treino específico para a prova”.

Segundo a coordenadora pedagógica da escola, “houve um trabalho específico para mudar a nota”, envolvendo capacitação de professores, reuniões periódicas entre gestores e professores, e até mesmo o preenchimento do cartão-resposta da prova foi treinado exaustivamente. Esta era a principal dificuldade dos alunos, sobretudo na zona rural, explica a coordenadora pedagógica.

MITO: os resultados do ENEM e do IDEB devem ser referenciais para a elaboração do projeto pedagógico das escolas de educação básica.

FATO: os resultados do ENEM - que são parciais -  e do IDEB podem ser importantes, mas demandam análise cuidadosa. Essas avaliações não levam em conta as diversas realidades nem os diversos conteúdos. São apenas informações a mais sobre a escola. E alertam as escolas para o fato de que elas estão sendo avaliadas.

Ainda, está ocorrendo uma inversão de finalidades nessas avaliações. Elas estão pautando o currículo, os conteúdos e o projeto pedagógico das escolas, quando, na verdade, deveriam estar apenas avaliando-os.

V

“Homo lupus homini”

Essa é uma sentença latina que significa “o homem é o lobo do homem”. Foi criada por Plauto, um dramaturgo romano, que viveu entre os anos 254 e 184 a.C., em sua obra Asinaria. Mais tarde, no século XVIII,  a expressão foi popularizada por Thomas Hobbes, filósofo inglês.

Na sua obra “Leviatã”, (“demônio”)  Hobbes afirma que, no estado natural, existia uma constante guerra de todos contra todos, na disputa por bens escassos.  Por isso, Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado, através de um “acordo”, em que cada membro abriria mão de uma parte da sua liberdade natural em favor da sociedade.

Esse poder soberano seria o “Leviatã”, cuja autoridade, fosse um monarca ou uma assembleia, uma tirania ou uma democracia, seria inquestionável. Fora do Leviatã, restaria a barbárie.

Através de uma pesquisa realizada por Sarah F. Brosnan e Frans B. M. de Waal, do departamento de Psicologia e Neurociência da Universidade da Geórgia, nos EUA, que tentam entender as origens do sentimento de justiça e injustiça, constata-se que, sobretudo na última década, foi descoberta e confirmada uma reação pela qual um indivíduo protesta não só se ele for injustiçado, mas também se um outro for injustiçado na sua frente -- e isso, mesmo no caso em que o dito indivíduo seja favorecido pela injustiça. Algumas pessoas – os favorecidos - chegam até mesmo a dividir sua recompensa com o injustiçado.

Segundo Brosnan e De Waal:

1) Há poucas espécies cujos indivíduos cooperem entre si, mesmo quando não são unidos por vínculos familiares. Essa capacidade de cooperar (caçar, proteger a prole e o território, defender-se contra predadores etc.) entre indivíduos que não constituem um casal e nem pertencem ao mesmo clã ou bando é um fator positivo na seleção natural. Ou seja, a capacidade de cooperar torna uma espécie mais forte. Seres humanos, justamente, são capazes de cooperação entre indivíduos sem vínculo familiar.

2) Humanos conseguem protestar contra a injustiça que desfavorece um outro indivíduo da espécie. Isso acontece porque eles temem que o injustiçado, ressentido, deixe de cooperar: se isso acontecer, algumas tarefas cruciais à sobrevivência de todos se tornariam complicadas. Ou seja, receber mais do que os outros pela mesma tarefa pode colocar em perigo a cooperação futura num propósito comum.

MITO: no estado natural, os homens devorariam uns aos outros, egoisticamente, numa guerra constante, em que venceriam os mais fortes. A noção de justiça e injustiça é uma concepção cultural.

FATO: os homens nascem com preceitos morais, dentre eles, o sentimento de justiça e injustiça. A vida em sociedade tende a aprimorá-lo. Este sentimento derivaria da necessidade de a espécie se beneficiar da cooperação de todos.
Uma curiosidade: de acordo com esses estudos de Brosnan e De Waal, o mesmo se aplica aos chimpanzés. E na mesma amplitude.

VI*

Estamos em plenas eleições. Três grandes empresas despontam como as maiores contribuintes financeiras dos candidatos à Presidência da República. Juntas, elas desembolsaram, até o mês de setembro, 64 milhões de reais, e contribuíram para a campanha dos três principais candidatos: Dilma, Aécio e Marina. Ou seja, elas apoiam o candidato e, ao mesmo tempo, os seus adversários. E isso é visto como coisa normal. No início de agosto, a JBS, a campeã brasileira de contribuições, havia doado 5 milhões de reais à campanha da Dilma (em 1º lugar na disputa),  5 milhões à do Aécio (em 2º lugar) e 1 milhão à de Eduardo Campos (em 3º lugar). Em setembro, após a morte de Eduardo Campos e a ascensão de Marina Silva – o que mostra que em política a parte emocional é poderosa – o bolo foi redividido: o PT de Dilma recebeu 14,5 milhões; o PSDB de Aécio não recebeu nada, e o PSB de Marina Silva (então no 2º lugar) recebeu 5 milhões. Esse panorama sugere que as empresas, ao menos aparentemente, entraram em pane e perderam o rumo. Um dia após Aécio passar para o segundo turno, sua campanha recebeu mais 15% de contribuições voluntárias !

Na nossa frágil democracia, as empresas financiadoras de campanhas parecem não saber qual é o melhor projeto de governo, o melhor programa e o melhor candidato. Acreditam que todos são igualmente bons ou identicamente ruins. Por isso, apoiam todos os candidatos, os amigos e os inimigos, os aliados e os adversários. De onde se conclui que essas empresas ou não acreditam em projeto algum, ou estão apenas interessadas em financiar seus interesses imediatos. Ou as duas coisas, ao mesmo tempo.

MITO: na democracia, as empresas têm uma ideologia, uma visão de mundo, doando dinheiro para causas que defendem e apoiam,  ajudando a  preservar florestas, melhorar a qualidade do ensino, financiando projetos sociais etc, e buscam eleger os candidatos que se identificam com essas causas.

FATO: na nossa democracia, as empresas querem estar do lado do vencedor, seja ele quem for. Nesse contexto, fica difícil negar que elas esperam receber algo em troca. Parece que trocam um bom projeto de governo por um excelente acesso ao gabinete do governante. No melhor estilo de Maquiavel, para elas, “a razão da política é a conquista e manutenção do poder a qualquer custo”.

*André Petry, Revista Veja, edição nº 2393, setembro de 2014.

VI

A fotografia mais famosa da história do movimento pelos direitos civis nos EUA foi tirada no dia 3 de maio de 1963, por Bill Hudson, fotógrafo da empresa Associated Press. Bill Hudson estava na cidade de Birmingham, no Alabama, onde os ativistas de Martin Luther King enfrentariam o comissário de polícia Eugene “Bull” Connor, um racista encarregado da segurança pública da cidade. Essa foto mostra um adolescente indefeso sendo atacado por um cão policial. Até hoje, a foto não perdeu o poder de chocar.

No dia seguinte ao fato, a foto estava na primeira página do New York Times. O Presidente John Kennedy viu - a e ficou apavorado. O Secretário de Estado, Dean Rusk, ficou preocupado com o que os amigos e inimigos externos dos EUA iriam pensar. A foto foi debatida no Congresso e em praticamente todas as escolas do país. Um ano depois, em 1964, o Congresso dos EUA aprovou a Lei dos Direitos Civis, uma das normas legais mais importantes do país, consolidando a vitória do movimento liderado por Martin Luther King.

À época, dizia-se que a Lei dos Direitos Civis havia sido escrita em Birmingham, devido à foto.

Em 1963, quando Martin Luther King foi a Birmingham, seu movimento a favor dos Direitos Civis dos Negros estava em crise. Em mais de dez anos de luta, pouco havia sido conseguido; e este pouco ainda não era cumprido.

Birmingham era tida como a cidade mais racista e segregacionista dos EUA, com forte atuação da Ku Klux Klan, organização racista dos Estados Unidos que apoia a supremacia branca. O comissário de Polícia, Eugene “Bull” Connor, era uma pessoa violenta (daí o “Bull” no seu nome – ‘valentão’, ‘violento’) e um racista assumido. Ele afirmava que “preto não era gente” e que “um judeu era um preto virado ao avesso”.

Na reunião que realizou com seus auxiliares, em Birmingham, Martin Luther King alertou-os para o fato de que muitos deles não sairiam vivo da campanha. Ele mesmo, ao se dirigir a Birmingham, havia se despedido de sua mulher e filhos, como se fosse para sempre.

No dia 3 de maio de 1963, depois de muitos preparativos, saiu a passeata em defesa dos direitos civis dos negros. No início, ela não tinha mais que 22 pessoas. No entanto, centenas de pessoas estavam observando - a, das calçadas. Para sorte do movimento, a imprensa confundiu os dados, dando como “centenas de participantes e alguns observadores”.

A ordem do comissário Connor era para que se reprimisse o movimento, com violência, inclusive com o uso de cães policiais. E que se prendessem todos os manifestantes. A tática da organização do movimento era envolver o maior número possível de simpatizantes na campanha, principalmente crianças e estudantes, para que eles fossem imediatamente presos, ocupando todas as vagas da cadeia, impossibilitando a prisão dos líderes e dos verdadeiros manifestantes. A tática funcionou. Depois de lotar a cadeia (cerca de 600 vagas) com crianças e jovens que saíam da escola e da igreja e se diziam simpatizantes do movimento, Connor, não tendo como prender mais pessoas, apelou para os bombeiros que, com jatos de água, tentaram dispersar os manifestantes, os simpatizantes e até mesmo os espectadores. Esgotada a ação dos bombeiros, Connor teria de ordenar o ataque dos cães.

Um cão avançou sobre um adolescente. Este se inclinou para a frente, de mãos limpas, sem nenhuma reação, como a se oferecer ao cão, em sacrifício. Nessa posição, aparentemente, o cão iria dilacerar sua barriga. No dia seguinte, então, a foto estava na primeira página de todos os jornais do país.

O rapaz que aparece na foto chama - se Walter Gadsden. Na época, ele era um estudante do ensino médio de uma escola de Birmingham; magro, tinha quinze anos de idade e media cerca de 1,80 m.

Alguns detalhes: ele não era um manifestante, mas sim um espectador. Ele vinha de uma família negra, de classe média, conservadora, que não concordava com as teses de Martin Luther King.

O policial da foto era uma pessoa moderada e reservada, que não concordava com o uso dos cães para atacar e ferir pessoas.

Na foto, na verdade, o policial não está instigando o cachorro; ao contrário, está tentando detê-lo. O rapaz está se apoiando no braço do policial, para manter o equilíbrio. Com a perna esquerda, o rapaz está neutralizando o ataque do cachorro. Com o joelho esquerdo, Walter bloqueou a ação do cachorro.

Nessa posição, e apoiado no braço do policial, o rapaz estava preparando um golpe violento, com o punho da mão direita, capaz de deslocar ou quebrar a mandíbula do cachorro. Ele sabia como fazer isso, pois tinha prática em lidar com cachorros bravos.

Todos esses detalhes foram esclarecidos, vinte anos mais tarde, por Wyatt Walker, um dos líderes do movimento, que presenciou o fato e a foto.

Portanto, não se trata, aqui, de um jovem indefeso atacado por um cão assassino, e a este se oferecendo, como um mártir.

Essa é a verdade, o fato. Mas o mito prevaleceu. E o mito acelerou a vitória dos negros na luta pelos direitos civis, nos EUA !

Colegas, nossa existência sempre foi pautada por mitos, lendas e fatos.

Nem tudo é o que parece ser. E, muitas vezes, o mito prevalece sobre o fato.

Com a educação, isso não deve acontecer. Temos que ficar, sempre, com os fatos e a realidade !

Não haverá educação de qualidade enquanto educadores, governantes e sociedade não se indignarem com este descalabro: alunos desmotivados e rebeldes, sem a mínima vontade de aprender; professores desrespeitados, sem o mínimo interesse em ensinar; pais ausentes e distantes, sem a mínima disposição de intervir; prédios feios, tristes e degradados; ausência de metas; matérias sem começo, meio e fim; avaliações inadequadas; indisciplina; falta de estímulo às habilidades não-cognitivas, como foco, resiliência, espírito de equipe, liderança. (Muriel Summers)

Eis alguns fatos: o melhor investimento social está na educação; o aluno é o sujeito mais importante da escola; é para ele que a escola existe; a escola tem a cara do Diretor, daí a necessidade e a importância de valorizar e qualificar esse profissional; na sala de aula, o professor faz a diferença; a qualificação do professor ainda é o fator determinante para um bom ensino. E só se pode conceber uma escola pública trabalhando em sintonia com a comunidade.

Outro fato: nenhum sistema é melhor que os seus integrantes. Nunca vai haver educação de qualidade se os seus profissionais não forem valorizados, qualificados, acompanhados, avaliados e exigidos.

E um mito: salários não influem no ensino !

Colegas, tenhamos todos um grande fórum ! E obrigado a todos, pela participação !

*Exemplos retirados do livro David and Goliath, de Malcolm Gladwell, editora Little, Brown and Company, edição de outubro de 2013.

 


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