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O Presidente da República enviou, em 15/12, ao Congresso Nacional, o novo Plano Nacional de Educação (PNE), para a década 2011/2020.

Em 16/12, a Udemo enviou, a todos os deputados federais e senadores, um ofício pedindo a rejeição, ou a aprovação com reservas, do projeto.

Veja, abaixo, o conteúdo desse documento.

 

São Paulo, 16 de dezembro de 2010.

Ofício nº 92 /10

1. Nobre Deputado (a)                                 3. Presidente da Câmara Federal
2. Nobre Senador (a)                                    4. Presidente do Senado Federal

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República encaminhou a este douto Congresso, em 15/12/2010, o Projeto de Lei que Aprova o Plano Nacional de Educação para o Decênio 2011-2020, e dá outras providências.
Na nossa avaliação, o projeto, de modo geral, é um avanço, vez que está centrado nos principais problemas enfrentados pela educação pública do nosso país, problemas estes que estão elencados nas diretrizes  contidas no Artigo 2º, itens I a X.
O Artigo 3º, no entanto, fixa metas para serem cumpridas no decênio 2011/2020. Algumas dessas metas colidem com o próprio projeto, contrariam a legislação do ensino e afrontam a Constituição Federal. É o caso da Meta 19, que passamos a analisar:

Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. (g.n.)

Estratégias:

19.1) Priorizar o repasse de transferências voluntárias na área da educação para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que tenham aprovado lei específica prevendo a observância de critérios técnicos de mérito e desempenho e a processos que garantam a participação da comunidade escolar preliminares à nomeação comissionada de diretores escolares.(g.n.)
19.2) Aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos de diretores escolares.(g.n.)

Em resumo, a Meta 19 pretende transformar o cargo de diretor de escola em cargo comissionado. A nomeação estaria vinculada a “critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar”. “Critérios de mérito e desempenho” podem ser critérios objetivos de observação e avaliação do trabalho do diretor. “Participação da comunidade escolar” significa, em resumo, “eleição”, qualquer que seja a redação e o meio escolhido.

As questões que se colocam, no caso, são as seguintes:

1. Uma lei que pretende aprovar um Plano Nacional de Educação pode determinar a natureza de um cargo e estabelecer a sua forma de provimento? Pode exigir que todos os entes políticos normatizem a questão de forma única? Pode determinar que em todas as escolas públicas da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, o cargo de diretor de escola seja comissionado?

2. De acordo com a Constituição Federal - que privilegia o concurso público de provas e títulos como forma de investidura em cargo ou emprego público - , o cargo em comissão é de livre provimento e exoneração. Nesse sentido, é o Art. 37, II:

 
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. (g.n.)

          Se a Constituição Federal determina, como regra geral, que a investidura em cargo ou emprego público ocorra através de concurso público, e apenas excepcionalmente como cargo em comissão, por que não aplicar a regra geral ao cargo de Diretor de Escola, em vez de tratá-lo de forma excepcional?

3. O cargo em comissão é de livre nomeação e exoneração. Assim sendo, como vinculá-lo a “critérios técnicos de mérito e desempenho e a processos que garantam a participação da comunidade escolar”? Isso seria tolher o poder discricionário dos governantes, além de ditar-lhes normas inconstitucionais. Ou o cargo é em comissão – de livre nomeação e exoneração - ou é efetivo, provido mediante concurso público. Não dá para ser um “cargo em comissão condicionado”. Não existe essa figura no nosso ordenamento jurídico. Prova disso é que foi revogado o inciso V, do Art. 37, da C.F., que previa que “os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei”. Nem essa exigência persiste.

Em resumo, se é em comissão, o cargo dispensa todas aquelas formalidades ou quesitos.

Ainda nesse sentido, se um dos critérios para a nomeação do diretor de escola é a “observância de critérios técnicos de mérito e desempenho”, como será a primeira investidura no cargo, quando então esses critérios não poderão ser aferidos, uma vez que o avaliado nunca fora diretor de escola? O seu mérito e desempenho será avaliado em outro cargo/função? Essa avaliação, em outro cargo/função, seria usada para o cargo específico de diretor de escola? Qual seria o embasamento legal e científico dessa “analogia funcional”?

4. Uma lei feita para aprovar um Plano Nacional de Educação pode impor discriminação aos entes políticos, através de “chantagem”? Pois é isso, claramente, o que está no item 19.1:

19.1) Priorizar o repasse de transferências voluntárias na área da educação para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que tenham aprovado lei específica prevendo a observância de critérios técnicos de mérito e desempenho e a processos que garantam a participação da comunidade escolar preliminares à nomeação comissionada de diretores escolares.

Em resumo, o ente político que transformar o cargo de diretor de escola em comissionado terá privilégios (“terá prioridade no repasse”); aqueles que optaram por seguir a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – o caso do Estado e dos Municípios de São Paulo – criando o Estatuto do Magistério, o Plano de Cargos e Salários, prevendo a investidura no cargo de diretor mediante concurso público – esses “virão depois”?

5. Já o item 19.2. é incompatível até mesmo com o 19 e 0 19.1. Ele prevê um sistema de avaliação que se assemelha ao concurso público quando estipula que deve-se

“Aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos de diretores escolares”.

Afinal, qual é o enquadramento que os autores dessas metas pretendem dar ao cargo de diretor de escola: cargo em comissão? cargo eletivo? cargo efetivo, provido mediante concurso (prova) público (a)?

Seria melhor que essa questão fosse resolvida, antes de o projeto entrar na pauta de votação. Não dá para criar, no nosso ordenamento jurídico, um “cargo Frankenstein”: parte comissionado, parte eleito, parte concursado.

O item 19.2. determina que haja uma prova nacional, que seria aplicada na cidade de Caconde - SP (quase ninguém sabe onde fica), na cidade de Borá – SP ( a menor do País), na cidade de São Paulo (a maior do País, com rede e sistema próprios), e em todos os estados e municípios, indistintamente, do Rio Grande do Sul a Roraima.

Nessa proposta, onde fica o “respeito à diversidade” (às diversidades regionais) previsto no item X do artigo 1º, da própria lei ? E o princípio da descentralização, contemplado na Lei de Diretrizes e Bases? E a autonomia dos entes políticos, garantida na Constituição Federal?

Ainda, qual seria a viabilidade dessa proposta - aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos de diretores escolares ? Todos nós conhecemos o histórico das avaliações nacionais mais simples, como é o caso do ENEM. Podemos imaginar o que ocorreria num caso mais complexo e específico, que é o que se propõe na presente Lei.

Com relação à eleição do diretor de escola, aqui eufemisticamente chamada de “participação da comunidade escolar na escolha”, temos ainda outras considerações.
A Lei nº 9.394/96 - “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” - prevê, no seu artigo 14:

“Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conformes os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência:

“ENSINO - DIRETORES DE ESCOLAS PÚBLICAS - ELEIÇÃO - CONSTITUIÇÃO ESTADUAL/SC - INCONSTITUCIONALIDADE
Constitucional. Ensino público. Diretores de escolas públicas: eleição: Inconstitucionalidade. Constituição do Estado de Santa Catarina, inciso VI do art. 162. I. - É inconstitucional o dispositivo da Constituição de Santa Catarina, que estabelece o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É que os cargos públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de cargo em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do Chefe do Poder Executivo, se os cargos estão na órbita deste (C.F., art. 37, II, art. 84, XXV). II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (Ac do STF-Pleno, por maioria de votos, julgando procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade, no inciso VI do art. 162, da Constituição do Estado de Santa Catarina, da expressão “adotado o sistema seletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino” - ADIN 123-0/SC - Rel. Min. Carlos Velloso - j 03.02.97 - Reqte.: Governador do Estado de Santa Catarina; Reqda.: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina - DJU 1 12.09.97, p. 43.713 - ementa oficial).” (g.n.).

Com relação ao art. 9º, do projeto de lei em análise, a “Lei Maior da Educação”, por muitas vezes até mesmo intitulada “Constituição da Educação” - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - referindo-se à “gestão democrática da educação”, deixa claro o que contempla essa expressão (insistimos):

Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I -        participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II -       participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Portanto, contempla-se a participação das comunidades escolar e local, ou seja, (I) a participação dos professores, alunos e funcionários e (II) a participação da comunidade nos destinos da escola. Em nenhum momento, cogita-se de eleição para professores ou diretores de escola (ou sua escolha pela comunidade), entendendo-se por gestão democrática, então, a participação da sociedade na escola, a constituição e o funcionamento dos colegiados, a descentralização e a autonomia escolar.

É oportuno lembrar que, no Estado de São Paulo, essas duas instâncias e momentos de participação existem já há bastante tempo: a) no planejamento e replanejamento escolar, b) nos Conselhos de Classe e/ou Série, e c) através do Conselho de Escola, colegiado de caráter deliberativo, que reúne direção, corpo docente, funcionários, alunos e pais de alunos.

O Estado de São Paulo foi o pioneiro em prover o cargo de Diretor de Escola (e, posteriormente o de Supervisor de Ensino) através de concurso público de provas e títulos, no que foi seguido pela sua Capital. Em todos os demais Estados, o provimento desse cargo (na verdade, então, uma função) dá-se por mera indicação política ou, melhor dizendo, por conveniência político-partidária. Não é sem razão que, nesses Estados, vê-se a eleição para diretor de escola como um avanço, tentando fugir do clientelismo político. Porém, além de ser a eleição uma ilusão administrativa, incompatível com um projeto pedagógico, não existe processo mais sério, isento, competente, eficaz e honesto do que o concurso público de provas e títulos, onde o que prevalece é o mérito.

Além disso, é ingenuidade acreditar que se consegue democratizar uma escola,  elegendo-lhe o diretor. Em primeiro lugar, isso representaria muito pouco, numa realidade em que ninguém mais seria eleito, nem os professores, nem os funcionários, supervisores ou diretores regionais de ensino. Em segundo lugar, porque o diretor eleito não teria, necessariamente, um compromisso com a comunidade escolar, mas sim, e antes, uma vinculação muito estreita com o grupo que o elegeu. Nesse caso, não se pode assegurar que a questão educacional, ou escolar, vá preponderar sobre os interesses grupais. Ao contrário, o personalismo, o despreparo, o populismo, o clientelismo iriam criar (ou aprofundar) conflitos entre os segmentos da comunidade escolar. Em terceiro lugar, porque não se pode confundir a figura do diretor com a política do sistema ou o projeto político de educação. Não se pode atribuir à figura do diretor a pouca ou quase nenhuma autonomia (pedagógica, administrativa, financeira) que a escola pública tem. A origem desse problema tem de ser buscada mais longe, acima, no próprio Estado e nas políticas de Governo. Com relação aos currículos das escolas, como exemplo, a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (portanto, a União), além de fixar as diretrizes, fixa também uma base nacional comum para todas as escolas, determinando, ainda, que cada sistema de ensino (ou seja, Estados e Municípios) estabeleça uma parte diversificada. Ao fazê-lo, os sistemas deixam pouco, ou quase nenhum, espaço para o estabelecimento escolar. Em outros assuntos (organização escolar, por exemplo) em que seria de esperar-se alguma autonomia, a LDB ressaltou a necessidade de as escolas observarem “as normas do respectivo sistema de ensino". Até mesmo o projeto pedagógico e as normas regimentais básicas que, em tese, deveriam ser elaboradas pela própria escola, com autonomia, já vêm delineadas e definidas pelo sistema. Portanto, nesses assuntos, a escola e o diretor nada decidem; apenas cumprem. Não seria a eleição do diretor (a sua escolha pela comunidade ou a alteração da natureza do cargo) que tornaria essa escola mais descentralizada, autônoma e democrática. Em quarto lugar, porque, qualquer que seja a forma de escolha (exceto o concurso público de provas e títulos), a nomeação continuará sendo um ato discricionário de competência exclusiva do Governador do Estado ou do Prefeito Municipal, que podem, até mesmo - e por assim lhes facultar o ordenamento jurídico-administrativo - nomear, sem atender o processo de escolha, uma vez que esse processo (a eleição, por exemplo, ou a indicação pela comunidade) é apenas um meio, facilitador da decisão do chefe do executivo, mas não o vincula. Nesse sentido, a lei – a Constituição -  é clara, e a jurisprudência, pacífica.
Para o cargo em comissão, mesmo com previsão legal infraconstitucional em contrário, a Constituição Federal garante a livre nomeação.
Ressalte-se ainda que os Estados que experimentaram a eleição para Diretor de Escola, aos poucos, estão se rendendo ao concurso público.

Somos pela gestão democrática das escolas públicas, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases; pela democratização do sistema escolar; pelo respeito à autonomia dos entes políticos; pela independência e harmonia entre os poderes; pela obediência à Constituição, e pela moralidade e eficiência no serviço público. Por isso, defendemos o concurso público de provas e títulos para todos os profissionais da educação, em especial, para os diretores de escola, tal como ocorre no Estado de São Paulo.

Por todo o exposto, Excelência, pedimos o seu voto CONTRA o Projeto de Lei que aprova o Plano Nacional de Educação, nos termos em que está redigido; ou, então, a sua aprovação parcial, com destaque para o artigo 3º, que deverá ser alterado ou vetado.
Contando com a vossa atenção, aproveitamos o ensejo para renovar os nossos votos de elevada estima e distinta consideração.

 

Respeitosamente,

 

Luiz Gonzaga de Oliveira Pinto
Presidente

A Sua Excelência
DD. Deputado(a) Federal
DD. Senador (a) da República
Brasília - DF