Matérias publicadas no Jornal Folha de São Paulo, de 11/11/07

30 mil professores faltam por dia na rede pública de SP

Nos colégios estaduais, 19 dispositivos legais permitem ausência sem descontar salário

Falta diária é de 12,8% dos 230 mil professores; nas maiores escolas particulares de São Paulo, o índice de faltas é inferior a 1% ao dia

Alunos em sala de aula de escola estadual em São Paulo; quase 30 mil dos 230 mil professores da rede estadual de ensino paulista faltam às aulas diariamente, segundo dados oficiais de 2006

Todos os dias, quase 30 mil dos 230 mil professores da rede estadual de ensino paulista faltam às aulas, e, amparados pela lei, a maioria não perde nenhum centavo dos seus vencimentos. O número significa uma ausência diária de 12,8%.

Dos 30 mil, menos de 2.400 têm faltas que acarretam perda de salário, segundo dados oficiais de 2006. Os docentes contam com 19 dispositivos legais que lhes permitem se ausentar sem desconto no salário, entre os quais licença médica, licença-prêmio (por assiduidade) e falta abonada por "motivo relevante" (seis ao ano neste caso).

Em um desses mecanismos, o professor pode, no limite, faltar 100 dos 200 dias letivos, desde que apresente atestados médicos e que as ausências não sejam em dias seguidos.

"Todos conhecem um médico que pode dar o atestado", disse o presidente da Udemo (representante dos diretores de escolas), Luiz Gonzaga Pinto, que defende melhores condições de trabalho aliadas a mudanças na lei. "Não estou dizendo que os professores abusam. Mas sempre há aqueles que buscam as brechas."

A Secretaria da Educação do governo José Serra (PSDB) classifica o índice como "preocupante". Diz que um pacote voltado aos docentes incentivará a diminuição nas faltas.
A secretária Maria Helena Guimarães não quis dar entrevista. Em nota, a pasta diz que o plano traz benefícios como o pagamento em dinheiro de 30 dos 90 dias de licença-prêmio e antecipação do bônus de merecimento (que considera, basicamente, a assiduidade).

Estudos nacionais e internacionais já apontaram que há relação entre absenteísmo dos docentes e perda de aprendizagem. Nos maiores colégios particulares de São Paulo, o índice de faltas é inferior a 1% ao dia, como no Bandeirantes e no Etapa -onde, dos cem professores, em média, apenas dois registram alguma falta no mês.

"A legislação na rede pública é muito permissiva", afirmou o promotor da Infância e Juventude da capital Motauri Ciocchetti de Souza, que investiga as causas das ausências.
Já os professores dizem que as faltas são reflexo de más condições de trabalho. "Com jornadas extenuantes, classes superlotadas, o professor adoece, precisa ir ao médico ou se afastar", disse o presidente da Apeoesp (sindicato dos docentes), Carlos Ramiro de Castro.
A rede possui 17.358 docentes eventuais, chamados para substituir faltas. A secretaria diz que eles "são preparados", mas "é de se esperar" que tenham dificuldades com turmas novas. Por isso, estão sendo criadas referências de aulas.

Apeoesp diz que doenças são causa de falta

Apeoesp afirma que, com salários baixos, longas jornadas, salas lotadas e violência, os professores tendem a adoecer

Estudo feito em conjunto com o Dieese aponta que 61% dos professores dizem sofrer de nervosismo e 44% apresentam angústia

O presidente da Apeoesp (sindicato dos professores), Carlos Ramiro de Castro, afirmou que, com salários baixos, longas jornadas, salas superlotadas e violência na escola, os professores tendem a adoecer e, por isso, precisam faltar.

Para sustentar a argumentação, Castro cita um estudo feito pela Apeoesp, em conjunto com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), que apontou que 61% dos professores dizem sofrer de nervosismo, 57% têm falhas na voz e 44% apresentam angústia.

A pesquisa, publicada neste ano, entrevistou 1.780 docentes em novembro de 2003.
"Nessas condições, o professor adoece. E, como ele tem de fazer jornada tripla, se precisa ir ao médico, muitas vezes, tem de faltar", disse Castro, que é suplente do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). "O professor precisa ter melhores condições de trabalho e um bom salário para poder diminuir a jornada."

O salário inicial da rede estadual de São Paulo é de R$ 1.295,76, para uma jornada de 30 horas semanais. Reportagem da Folha publicada no mês passado mostrou que o valor por hora da rede paulista é apenas o 10º maior do país.

Castro lembra que o corpo docente da rede é formado majoritariamente por mulheres (80%). "Elas têm de fazer exames médicos específicos. E, quando o filho adoece, geralmente é ela quem vai cuidar." O sindicalista diz ser contrário a mudanças na legislação.
Docentes também reclamam. "O professor não é valorizado, entra em depressão, tem problemas na voz. Eu estou desmotivado", diz um docente de uma unidade do Capão Redondo (zona sul de SP).

Se não há consenso para as razões do absenteísmo, os efeitos são conhecidos. Vinícius Rodrigues Dantas, 17, por exemplo, se diz uma das vítimas. Aluno do terceiro ano do ensino médio de uma escola estadual na Cidade Ademar (zona sul), ele conta que "quase todo dia falta um professor".

"Geralmente, os substitutos não fazem nada, deixam a gente conversando", disse ele, que decidiu não prestar vestibular neste final de ano. "Sei que não vou conseguir passar."

Estudo de Tufi Machado Soares, da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), mediu o peso das faltas dos professores. Alunos da quarta série da rede estadual de Minas que estudam com professores que faltam muitas vezes tiveram média de 187 pontos em testes de língua portuguesa, ante 202 daqueles cujos docentes são assíduos. Os dados têm como base o exame mineiro de avaliação, aplicado em 2002. (FT)

Professor só perde cargo se não comparecer 30 dias seguidos

Dos 29 dispositivos legais que regulamentam as faltas para os professores da rede estadual paulista, apenas um prevê a perda do cargo do servidor -se utilizada em excesso.

Por serem funcionários públicos, os educadores não podem ter seus postos retirados pelos gestores a qualquer momento. Por motivo de falta, o professor da rede estadual de São Paulo só perde o cargo se não comparecer a 30 dias seguidos ou a 45 dias espalhados pelo ano, sem apresentar justificativa ("faltas injustificadas").

Mesmo que atinja essa marca, o caso ainda será analisado pela Secretaria de Estado da Educação, antes da perda do cargo do educador.

Sem desconto

Em 19 dispositivos, o professor pode faltar sem que haja perda no salário. No máximo, há desconto no auxílio alimentação e no auxílio transporte que ele recebe.
Encaixam-se nessa modalidade as ausências referentes a consultas médicas, a casamento, a doação de sangue, entre outros.

Simulação feita pelo escritório Ulchôa Canto, Rezende e Guerra mostra que, se o professor utilizar todos os dispositivos e viver um ano atípico (com casamento, falecimento de parentes, prestação de serviço eleitoral, entre outros), ele pode trabalhar menos de 30 dos 200 dias letivos. Sem ter desconto no salário.

O maior peso nesse caso viria da possibilidade de fazer consultas médicas ilimitadamente, desde que não sejam em dias seguidos -ou seja, poderia faltar 100 dos 200 dias letivos.
São válidos atestados do SUS (Sistema Único de Saúde), do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual) ou de médicos e dentistas registrados no conselho profissional.

Leis antigas

As leis que regulamentam as faltas dos docentes da rede estadual são o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, Regulamento Geral dos Servidores Públicos, Estatuto do Magistério e lei complementar 883/00.

"O problema é que quase todas elas são antigas [décadas de 60 e 70], de antes da Constituição [de 1988], que deixou clara a necessidade da qualidade na educação. A possibilidade de tantas faltas não é compatível com um bom ensino", afirmou a advogada Ana Carolina Monteiro, do escritório que estudou e fez simulações com base na legislação dos docentes.
Para Monteiro, é necessário alterar as leis para diminuir a possibilidade de faltas e criar mecanismos de incentivo por desempenho.

"A legislação não chega a incentivar as faltas, mas protege aqueles poucos oportunistas que podem manchar toda a categoria", afirmou o filósofo Mario Sergio Cortella, professor da PUC-SP e secretário da Educação na gestão -1989-1992- da prefeita Luiza Erundina (então no PT).

 

Decálogo
a ser seguido pelos gestores para a solução dos problemas de infra-estrutura das Escolas Públicas Estaduais


1
Se não houver merendeira na escola,
não será fornecida a merenda;

2
Se não houver pessoa responsável pela Biblioteca, ela permanecerá fechada;

3
Se não houver escriturários e secretário,
de acordo com o módulo, não haverá entrega de documentos na DE;

4
Se não houver verba para compra
de material e manutenção da sala de informática, o local não será utilizado;

5
Se não houver recursos para reparos e vazamentos no prédio escolar,
não haverá consertos;

6

Se não houver recursos para pintura do prédio, o prédio não será pintado;

7

Se não houver verba para a contratação de contador para as escolas, não haverá prestação de contas à FDE;

8
Se não houver verba suficiente para a contratação de funcionários pela CLT,
o dinheiro será devolvido;

9
Se a mão-de-obra provisória
não for qualificada, será recusada;

10
Se as festas não tiverem o objetivo de integrar a escola à comunidade, não serão realizadas

A nossa escola é, por previsão constitucional, pública e gratuita. Portanto, ela tem de ser custeada pelos cofres públicos.

Todas as omissões do Estado, com relação aos itens acima, deverão ser objetos de ofícios da direção às Diretorias Regionais de Ensino, a fim de isentarem o diretor de eventuais responsabilidades administrativas.
Toda e qualquer ameaça de punição aos diretores associados da Udemo, por tomarem aquelas atitudes, será objeto de defesa jurídica por parte do Sindicato, seguida de denúncia ao Ministério Público e propositura de Ações Civis Públicas contra o Estado, pelo não cumprimento das suas obrigações para com as unidades escolares e pelos prejuízos causados à comunidade escolar.