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Matéria publicada na Revista Veja, Ed. 2039 de 19/12/2007 Sumidos da sala de aula A história
dos professores campeões em faltas chama atenção
para uma lei benevolente Nenhum fator numa escola é tão essencial ao bom ensino quanto um professor preparado para o desempenho de sua função e isso já foi vastamente medido por pesquisas em sala de aula. Esses estudos se referem a duas qualidades fundamentais de um professor. A primeira delas diz respeito ao nível de conhecimento da matéria, um velho problema brasileiro. A outra é a sua capacidade de despertar interesse nos estudantes, estabelecer com eles uma relação de confiança e, enfim, fazer-se respeitado. Nesse caso, os professores brasileiros também patinam, antes de tudo por um motivo básico: muitos deles cultivam o estranho hábito de não aparecer para dar aula. Embora esse seja um dos maiores males da escola pública no Brasil, o absenteísmo dos professores é um fenômeno pobre de estatísticas. Os primeiros números consolidados sobre o assunto são do governo estadual de São Paulo. Como se trata, de longe, da maior rede de escolas públicas do país, os dados ajudam a dar uma idéia da realidade nacional. Em 2007, os professores faltaram ao trabalho, em média, 32 dias 15% do ano letivo. São vários os casos de alunos que mal recordam a fisionomia de seus supostos mestres. Alguns professores praticamente não pisaram na escola. É o que revela um ranking com os campeões em ausências do estado, o primeiro do gênero feito com dados oficiais. A lista, com dez nomes, baseou-se nas faltas médicas, motivo número 1 para o absenteísmo no Brasil. De acordo com o levantamento, esses professores apresentaram, em média, 54 atestados médicos neste ano, além de outras justificativas para mais dezenas de faltas. Sua história chama atenção para um fato perturbador: ao faltar tanto, nenhum deles sofreu algum dano na carreira, perdeu o sono preocupado com uma eventual demissão, tampouco teve prejuízos financeiros. Isso porque todos agiram rigorosamente dentro da lei. No caso das faltas médicas, os servidores públicos estaduais, incluindo os professores, podem apresentar um novo atestado dia sim, dia não. Com isso, eles têm direito a 105 ausências devidamente perdoadas. Se fizerem uso das demais faltas garantidas pelo Estado, também a salvo de descontos no salário, os professores só precisam comparecer 27 vezes à escola. Isso num ano letivo de 210 dias. Diz a especialista Denise Vaillant, doutora em educação: "A lei brasileira é condescendente com os professores, e eles evidentemente abusam dela". O caso de quatro professores campeões em faltas do estado ilustra bem isso. Pergunte a qualquer funcionário do edifício Catanduva Center Comercial a opinião sobre o advogado José Roberto Gabas, 54 anos, e ele invariavelmente será descrito como um sujeito sério e assíduo no trabalho. Faça a mesma pergunta na Escola Estadual Doutor Nestor S. Bittencourt, de Catanduva, interior de São Paulo, e a resposta será algo bem diferente disso. Gabas é mais lembrado por lá como o professor de educação física que quase nunca aparece para dar aula. Alguns de seus alunos mal recordam sua fisionomia. "Praticamente não vimos o professor o ano inteiro. Ficamos com uma substituta", diz Amanda Carobeno, estudante de 14 anos. Neste ano, ele faltou 108 vezes, em 72 delas alegando algum problema de saúde. Segundo os atestados médicos, Gabas sofre de transtorno bipolar, uma doença psiquiátrica causadora de variações de humor. Outro fato chama atenção nos relatórios recentes da escola. Suas faltas são de uma regularidade cartesiana quase sempre às segundas, quartas e sextas. Como a lei perdoa ausências por razões médicas apenas em dias intercalados, Gabas não é descontado no salário. Ele diz: "Só essas poucas aulas já me exigem um esforço sobre-humano". A doença, no entanto, não tem sido impedimento para o exercício da advocacia. Em 2007, Gabas compareceu a audiências e consta como advogado em 23 processos registrados no Tribunal de Justiça do Estado. "Assino uma petição ou outra. Os horários do escritório não são tão rígidos quanto os de uma sala de aula." Em relação à carreira de 31 anos como professor do estado, ele já se viu motivado. Foi de dez anos para cá que Gabas se tornou o rei das faltas e licenças. Hoje só pensa na aposentadoria, prevista para 2008. "Sou um pobre coitado. Tenho péssimas condições de trabalho e ainda ganho mal. Cansei de dar aula." Dois empregos,nenhuma aula "Meu marido não está em casa. Ele trabalha!" Assim Vilma, a mulher do matemático Miguel Arcangel Moreno, 52 anos, respondeu à pergunta sobre o seu paradeiro. Só deixou de mencionar um fato. Naquele dia 30 de novembro, uma sexta-feira, Moreno deveria dar cinco aulas de matemática aos alunos da Escola Estadual Giuseppe Pisoni, em Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo. Mas lá ele não apareceu. O trabalho a que se referia Vilma era na empresa Solvay, uma multinacional do setor químico, onde, aí sim, Moreno é visto todos os dias. A assiduidade num emprego contrasta com a ausência no outro. Os fatos: neste ano, Moreno não deu uma aula sequer. Em 59 vezes, justificou sua ausência com uma variedade de atestados médicos. No tal dia em que trabalhava normalmente na Solvay, ele estava oficialmente em licença médica na escola. Depois de onze anos como professor do estado, durante os quais suas ausências foram se intensificando ano a ano, Moreno conta que pediu para ser remanejado para uma das funções administrativas do colégio, um processo ainda em curso. Para tal, precisa comprovar ter alguma doença que o impeça de lecionar. Quanto a isso, ele é evasivo: "Não sou médico, portanto não posso falar nada sobre o assunto. Algum impedimento certamente eu tive para não ir à escola". Moreno não dá nenhum sinal de sentir falta da sala de aula. Ao contrário. Ele se queixa do salário e da violência: "Quero uma função administrativa justamente para fugir do contato com os alunos. O professor que vai dar aula hoje é um herói".
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Decálogo A nossa escola é, por previsão constitucional, pública e gratuita. Portanto, ela tem de ser custeada pelos cofres públicos. Todas
as omissões do Estado, com relação aos itens acima,
deverão ser objetos de ofícios
da direção às Diretorias Regionais de Ensino,
a fim de isentarem o diretor de eventuais responsabilidades administrativas.
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