A Rede Globo sempre começa uma novela de modo grandioso
e termina de modo pífio. Falta capricho no final. Todos que assistem
são unânimes em dizer, "ah, o final foi esquisito",
"ah, podia ser bem melhor" etc. A pressa em acabar e já
começar a outra novela sem perder o "ibope", o comercialismo
em exagero, acaba com os grupos de interpretação da Globo.
O PSDB, tanto com Fernando Henrique quanto com José Serra, é
bem parecido com a Globo nisso. Os tucanos às vezes, começam
bem, impressionam mas, no decorrer das últimas ações,
perdem o capricho. É exatamente isso que Serra fez com a idéia
(também minha) de escalonar a carreira do professorado por mérito
intelectual individual.
Quando José Serra anunciou que havia criado um projeto
de lei para melhorar o salário do professorado, e que isso se faria
por mérito avaliado a partir de provas intelectuais individuais,
eu aplaudi o governador. Isso fazia eco a um artigo meu no jornal O Estado
de S. Paulo, antes mesmo da eleição que trouxe Serra para
ser o governador dos paulistas.
Até então, ou seja, até esse Projeto
de Lei Complementar (PLC) à Carreira do Magistério só
havia dois modos de um professor da escola pública básica
obter algum ganho financeiro na sua carreira: deixar a sala de aula e
optar por uma carreira burocrática, na direção de
escola ou em cargos ligados diretamente à secretaria da educação,
ou pela forma de bônus, dado não para ele, mas para sua escola.
Essas duas maneiras eram e são precárias. Foram elas, aliás,
que trouxeram o magistério público para o caos em que se
encontra. Este caos é fruto do desprestígio salarial que,
por sua vez, provoca a convocação da mão de obra
mais despreparada para o ofício, criando assim uma situação
horrível em que a pobreza intelectual alimenta a pobreza material
em um círculo nada virtuoso. Sendo assim, vi com bons olhos o projeto
do governador José Serra: ao final de um período, após
sucessivas provas, o professor da escola básica poderia chegar
a ganhar o equivalente a um doutor iniciante no magistério superior.
Mas, talvez valha para os nossos governantes a maldita
frase "não se pode elogiar". Sim, pois entre a data de
anúncio do PLC pelo governador até o dia da votação
de tal dispositivo na Assembléia Legislativa, o que havia sido
acordado entre a Secretaria da Educação e o sindicato dos
professores, a APEOESP, é que a idéia geral do PLC precisaria
ser vista à luz de mais discussão. Os dois lados pareciam
concordar que os detalhes técnicos, associados a outras reivindicações,
precisariam ser observados em função da melhoria do texto.
Todavia, o governador traiu a confiança dos professores. Jogou
o PLC para ser votado a toque de caixa e, mais que isso, proibiu aos professores
de estarem presentes na própria Assembléia Legislativa,
na hora da votação. Nada de democracia, decretou José
Serra - e assim se fez: o projeto, sem discussão, e com emendas
"para lá e para cá", muitas vezes descabidas,
foi votado e a Assembléia, por alguns votos, fez passar a vontade
de Serra e do secretário da Educação Paulo Renato.
Fiquei decepcionado com a atitude de Serra e de seu secretário
da Educação. Não só pela truculência
com que trataram os professores, mas pelo fato de que o projeto, do modo
como foi aprovado, ficou muito ruim.
Na prática, o que era uma boa idéia, se transformou
no maior castigo que a educação paulista poderia sofrer.
Nesse sentido, mesmo a contragosto, tenho de dar a mão à
palmatória ao sindicato paulista dos professores. O que aponta
o sindicato tem sua verdade. Vejamos.
O que o sindicato diz é que, na prática,
há distorções salariais que estão acumuladas,
e que seria necessário zerar tais distorções para,
então, começar uma nova conversa. O sindicato informa -
corretamente - que há uma perda no poder de compra do professor
de mais de 27%, acumulada a partir de 1998, quando passou a vigorar a
Lei 836/97, referente ao Plano de Carreira do magistério paulista.
Mas, o mais agravante é que o texto do PLC 29/2009 que foi aprovado
- e mais uma vez o sindicato tem razão - conduz 80% do professorado
paulista a ficar sem a promoção salarial anunciada, independente
ou não de provas feitas. Pois, do modo como está, o texto
limita por faixa da carreira os ganhos. Assim, só 20% dos professores,
em cada faixa, poderá ter o reajuste anunciado, ao fim e ao cabo,
de 25% em cima do salário base. E isso pode variar, chegando mesmo,
em certas faixas, a ir para menos de 18%. E essa porcentagem é
contada sem que se considere a perda acumulada desde 1998. E mais ainda:
todo esse processo de promoção é muito longo, é
de 13 anos.
Além disso, o sistema criado pelo PLC é punitivo.
Pois só podem participar os professores que não mudarem
de escola e os professores que não faltarem. Ora, nas condições
atuais de trabalho, não adoecer e, então, não faltar,
é algo praticamente impossível. Permanecer em uma só
escola durante vários anos não é algo que pode cair
nas costas do professor, pois depende do governo abrir concursos, o que
o governo não tem feito e nada garante que fará. Se já
não bastasse tudo isso, há ainda uma dúvida, que
põe todo o projeto em cheque: todo reajuste continua atrelado a
um aval do governador que dirá se há ou não dinheiro
previsto para pagar o reajuste.
Mesmo que não houvesse essa última cláusula,
a regra não seria a promoção dos mais capazes intelectualmente,
mas apenas a diferenciação salarial de uma minoria que,
após muito sofrimento, contribuiria para o fim da isonomia salarial
- prevista na Constituição Federal. Ou seja, do modo como
está, o PLC produzirá, na prática, uma única
coisa: a desarticulação sindical da categoria. Acontecerá
mais ou menos o que já correu no sistema universitário,
onde os professores de início de carreira são muito mal
pagos em relação aos que já estão no final.
A distância entre um e outro, neste caso, não ajudará
a educação, apenas fragmentará o corpo docente em
suas reivindicações.
Nessas condições, o que Serra realmente propôs
para o magistério, para tirar nossa educação da situação
de estar ligada a uma hora-aula de 7 reais, é um projeto zero à
esquerda. No limite, após 15 anos de vigência de um sistema
assim, não se terá ganhado nada, só se terá
perdido. Não vejo como o PLC fará do magistério uma
profissão atraente, como tenta nos convencer o secretário
da Educação Paulo Renato.
Escrevo isso sabendo que, a essa altura, quando os ânimos
pela sucessão de Lula já estão sendo acirrados, este
meu artigo irá ser interpretado pelos tucanos como campanha pró-Dilma.
Todavia, o leitor que me conhece sabe que passei todos esses anos, de
2005 para cá, com críticas severas ao PT e ao Lula. Além
disso, não concordo nem um pouco com a visão errônea
do sindicato de que "educação não pode ser tratada
sob o regime de produtividade". Ora, sob um regime correto de produtividade,
o que nunca foi feito, pode sim - deve ser tratado assim. E isso não
é ser liberal, é apenas não ser tolo. A produtividade
em nossa sociedade, quando mensurada corretamente e assentada ao lado
de boas condições de trabalho, pode fazer milagre.
Tenho a tranqüilidade de poder, assim, analisar o
PLC 29/2009 sob o ponto de vista que o fiz, e o considero um erro crasso.
Não entendo a razão de José Serra querer ser Presidente
do Brasil com esse tipo de idéia em educação. Não
se trata, aqui, de ser de direita ou de esquerda. O projeto saiu de um
modo que não agrada ninguém. No contexto social e econômico
em que vivemos o PLC não vai melhorar a vida de ninguém,
não vai trazer nenhum benefício a nenhum setor social. É
um projeto bobo, não é um projeto sob o qual existe interesse
político classista. Seria muito tolo ver esse projeto ligado a
velhas disputas entre "privatistas" e "não privatistas"
etc. Do modo como ele está, a educação pública
perde e nenhum setor social ganha. Não se trata de projeto "neoliberal"
ou "produtivista", como irão dizer alguns petistas, sempre
ideologizando demais as coisas. Não, nada disso, o PLC só
foi defendido na Assembléia, pelo PSDB, por razões de articulações
partidárias para ocupação de espaço na briga
mesquinha da política de curral. Não é um projeto
que um candidato à Presidência da República que queira
parecer honesto e modernizador possa apresentar com orgulho. Sendo assim,
para falar desse projeto, Serra irá ter de mentir na TV.
Vamos nos preparar, pois a agenda do governador está
cheia. Ele irá de TV em TV, e irá mentir e mentir sobre
esse assunto. E teremos de ver alguns intelectuais, nessa hora, abaixar
a cabeça e fingir que não estão ouvindo, pois eles
já terão lido este meu artigo e, eu sei, terão concordado
comigo, mas não admitirão, pois estarão ligados às
promessas de emprego do PSDB. Triste isso, não? Faz a gente realmente
balançar em nossa esperança. E faz o professor continuar
com 7 reais a hora aula, o que é um completo absurdo para o estado
mais rico da federação.